O romance Profanação, primeiro livro do jornalista e escritor Ruy Fabiano, está sendo adaptado para o formato de áudio série, com o episódio piloto já em produção.  Publicada em 2005, a obra tem como pano de fundo a sucessão presidencial de 1984, que pôs fim ao regime militar, e ganha nova vida justamente no marco dos 40 anos da redemocratização do Brasil.

De acordo com Fabiano, o romance nasceu da vontade de narrar sua vivência no centro do poder, em Brasília, de uma forma que não fosse autobiográfica, e denunciar a corrupção e a profanação da palavra, usada pelo poder político, pela imprensa e por instituições acadêmicas, como instrumento de manipulação. Ele destaca que a historiografia oficial registra os fatos, datas, nomes, mas não as emoções.

"O romance consegue isso. Machado de Assis, por exemplo, nos revela o Brasil do Segundo Reinado com muito mais profundidade que qualquer historiador. Ninguém traduziu melhor a escravidão, por exemplo, do que ele. Decidi fazer o mesmo com a política contemporânea brasileira, principalmente das duas últimas décadas do século XX, adotando o romance como linguagem", relatou.

Jornalistas, críticos e escritores reconhecem na obra uma denúncia literária poderosa, de que a realidade é forjada com palavras e chega ao público como uma verdade construída, pronta para ser aceita.

ENTRE O PROFANO E O SAGRADO
A história tem como personagem central Gregório Pedras, um jornalista fictício de Juiz de Fora/MG, que migra para Brasília durante a efervescente redemocratização do país. Nela, personagens da vida real interagem com personagens fictícios, envolvendo políticos, jornalistas, lobistas, bruxos e profetas em tramas complexas.

A confluência da Brasília política com a Brasília mística profetizada por Dom Bosco intriga e atormenta Gregório, que se deslumbra com o mundo do poder, prostitui seu ofício e mergulha em profunda crise moral e existencial. Na crise, descobre a espiritualidade e a dimensão metafísica da palavra, cotidianamente profanada e manipulada nos ambientes que frequenta – Parlamento, palácios, redações, bares da moda e bastidores do poder político.

O ambiente social e a sociabilidade dos agentes políticos eram muito reveladores. "Havia bares e restaurantes onde se concentravam e depois de dois ou três uísques, as gravatas afrouxavam e vinha o striptease moral". Segundo Gregório, nesses ambientes havia algo... satânico. "Eles brigavam no plenário, depois tomavam uísque juntos. São atores, mesmo quando não se percebem assim", observou Ruy.

Essa face mística de Brasília atraiu várias organizações religiosas e esotéricas para a Capital Federal e alguns governos incentivaram isso, distribuindo lotes a diversas entidades espirituais. Mas, pouco se fala sobre essa outra face que o romance aborda.

O AUTOR
Ruy Fabiano é carioca e nasceu numa família numerosa de nove irmãos, tendo sido fortemente influenciado pela música, pela literatura e pela religiosidade católica e judaica. Chegou à Brasília no fim da década de 1970, após a suspensão da censura à imprensa, durante o governo de Ernesto Geisel.  Na capital federal, trabalhou no Correio Braziliense e na revista Visão, que antecedeu a Veja, atuando simultaneamente nos dois veículos, em uma época em que havia carência de mão de obra qualificada. No Correio, foi repórter e depois editor de política.

Como editor, conheceu os bastidores do poder e os assédios que candidatos faziam, pessoalmente ou através de recados por seus assessores, e foi nesse contexto que quis narrar a história, conhecida por poucos.

Profanação é uma obra literária atual e atemporal, política e metafísica, realista e, ao mesmo tempo, profundamente simbólica. A adaptação da obra para ser exibida como áudio série e disponibilizada para novos públicos está sendo realizada com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) e apoio do Ministério da Cultura. "A internet tem permitido o renascimento de formatos antigos de narrativa. Quando eu era criança, as radionovelas eram um fenômeno. Hoje, com os podcasts, áudio séries e as plataformas digitais, é possível contar histórias assim novamente. Estou muito otimista com essa nova etapa de vida do livro", concluiu Fabiano.




Fonte: Bárbara de Alencar